terça-feira, 18 de julho de 2017

O VELHO MAXIMBOMBO DA NOVA LUANDA.

A primeira crónica que dei aos olhos do público mais vasto e desconhecido saiu em 1974 e falava de Luanda e do seu meio de transporte colectivo por excelência, o maximbombo.
Quando conquistámos a nossa Independência, li as estórias “Luuanda”, do Luandino Vieira e ali encontrei o maximbombo outra vez rolando naquelas belas páginas saídas da pena do nosso prémio Camões auto-recusado. Um dia deparei com os “100 Poemas” do Mário António e vi que o maximbombo era tão ilustre personagem de Luanda que até a poesia lhe prestava homenagem. 
O poema intitula-se “Linha quatro” e fala assim estes versos: “No largo da Mutamba às seis e meia/ carros pra cima carros pra baixo/ gente subindo gente descendo/ esperarei.(…)// (Gente operária na nossa frente…)// No maximbombo da linha quatro/ se sentam juntos.(…)” 
Nesse poema se reúnem as palavras que até hoje enchem a boca de quem trabalha em Luanda, nesse trabalhar tomado em sentido lato: a Mutamba e o maximbombo. Ontem falei da Mutamba. Hoje cumpre-me falar um coxito do nosso maximbombo, signo perdido e cujo significante reentrou hoje no conceito de autocarro. 
Os dicionários online são unânimes em atribuir a origem do termo à expressão inglesa “machine pump” (bomba mecânica). 
Mas não sei ao certo se foram os moçambicanos que primeiro puseram entre os dentes e a língua a expressão “maximbombo”, palavra 
bonita e comprida, para designar o autocarro de transportes públicos. O que é certo é que quando comecei a ir para o liceu, na cidade grande, apanhava todos os dias o maximbombo da linha da Cuca que me desaguava no Kinaxixi. Jamais apanhei um autocarro, eu apanhei sempre o maximbombo e foi o maximbombo que ainda apanhei depois do 11 de Novembro de 1975, até que vieram os Ícarus, se não estou em erro da Jugoslávia, bué compridos e até articulados e, quando dei conta, já toda a gente só apanhava o autocarro da Cuca, o autocarro de Viana, o autocarro do Cazenga. 
Só que eu gosto mesmo é do maximbombo. Não estou velho, nada disso. O maximbombo, apesar de ter saído da barriga inglesa, é uma invenção (o Luandino chama-lhe “recriação”) nossa, é mais original que autocarro, eu amo o maximbombo, é nacional e é bom, assim à maneira da fala televisionada do André Mingas. 
Então foi com esse gosto a maximbombo na língua que ontem, sábado à tarde, na hora de ir para a banca do Jornal de Angola, estava eu na paragem do candongueiro, ali no Zé Pirão, quando me pára frente aos dedos dos pés um maximbombo todo catita da TCUL (passe a publicidade). O cidadão que encontrei lá na paragem entrou e eu segui atrás. Paguei 50 kwanzas e recebi o troco em notinhas de cinco kwanzas, equivalentes a 20 kwanzas. Há quanto tempo eu já não pago um produto por um preço tão popular! Observei o maximbombo, com os seus bancos verdes e amarelos, o cobrador atrás da sua portinhola presa por um fiozinho de cobre, o chão a contrastar com a tabuleta no cimo do pára brisas, a nos pedir para conservarmos o meio de transporte de toda a gente e, nesse interin, o velho poema “Linha Quatro” hominiziou-se ali, intelectual-proletário sentado junto com os que caboucam sem preconceitos o futuro desta cidade. 
Enquanto assim ponderava sobre o nosso tempo e as nossas coisas bonitas banalizadas pelo vento da Globalização, voltei a sair na minha querida Mutamba, desta vez bem no término do lado que dá para o Palácio da Tia Chica do Espírito Santo e no concerto óptico-verbal das pessoas que enchiam o largo, senti-me mais uma raiz desta cidade feita sobre as rodas do maximbombo, o velho maximbombo de uma nova Luanda.


Por José Luís Mendonça|
Em 
Angola Ministry of Culture Pictures& Events 

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