quinta-feira, 15 de junho de 2017

UM POUCO DA HISTÓRIA DE UM POVO OPRIMIDO



Quando Kundi, o sucessor de Lala Maku, envelheceu, a harmonia entre os povos lundas estremeceu. Quem seria o sucessor do velho Kundi? Um dos rapazes? – O Tchinguri ou o Tchinhama? - Ou a menina, Lweji, a mais jovem filha da segunda esposa? 

Dizem que os irmãos não se entendiam. Tchinguri era o mais afoito e Tchinhama o mais ponderado. Porém, numa tarde, os dois irmãos irromperam embriagados de vinho de palma pela tchota (palácio) do pai e maltrataram-no, ambos querendo sucedê-lo. O ancião, meio cego, no seu leito de morte, amaldiçoou-os e logo ali avisou que nenhum deles seria o seu sucessor.
Chamou os macotas (anciãos) e informou da sua decisão de entregar o poder a LWEJI, meia-irmã de Tchinguri e Tchinhama. 
Iria agora começar na Mussumba (povoação) o Império Muatyânvua, constituído que foi o casamento de Lweji, a nova rainha lunda, com o caçador baluba Tchibinga Ilunga. 
Várias são as versões contadas sobre este IMPÉRIO. Das várias conversas que tivemos com alguns mais-velhos da Lunda-Norte, sem querer meter a foice em seara alheia, apelamos aos historiadores que nos deixem romancear mais uma vez esta maravilhosa epopeia. Assim que o velho Kundi morreu, Lweji recebeu o lukano (pulseira feita com tendões humanos que simboliza o poder) e de imediato é conduzida à chefia dos Lundas. 
Lweji, digo a bela Lweji (Lua em português), já que se diz que era uma jovem de extraordinária beleza, mas também munida de muita inteligência, foi governando os Lundas com a prestimosa ajuda dos mais velhos, os macotas, até que … um belo dia, vindo do Leste, apareceu Tchibinda Ilunga, um caçador da etnia luba, também de sangue nobre, neto do fundador do segundo império luba, Mutondo Mukulo (árvore velha) que com as suas gentes desafiou os lundas caçando nos seus domínios. 
Tchibinda Ilunga (tchibinda significa caçador) não trazia mulheres no seu séquito. Somente o acompanhavam homens, caçadores e guerreiros, e ele era, para além de destemido, conhecedor da pólvora e da arma de fogo da altura – o canhangulo (arma de carregar pelo cano), que iria revolucionar para sempre aqueles povos, ao contrário dos lundas que ainda estavam no tempo da zagaia (arco e flecha), que embora conhecedores do ferro, ainda desconheciam a pólvora. Lweji apaixonou-se de imediato pelo corajoso caçador com quem se casou, contra o que lhe era permitido, já que o seu povo praticava a endogamia, que a obrigava a contrair matrimónio unicamente dentro da sua tribo. Para agravar ainda mais a situação, entregou-lhe o lukano, a pulseira dos antepassados que representa o poder. 
É Lweji, mais uma vez, quem sai a ganhar e expulsa os dois irmãos da tribo, embora se diga também que os próprios a terão abandonado de sua própria iniciativa, depois desta ter pedido a Tchibinda que lhes ensinasse os seus conhecimentos sobre a arma e a pólvora. Tchinguri, o primogénito, e Tchinhama, já de si agastados com o casamento com o estrangeiro Ilunga, com a entrega do lukano viraram-se contra a irmã. Nada conseguiram, porém, já que o poder dos guerreiros lubas e dos canhangulos de Tchibinda suplantavam o arco e a flecha usados pelos lundas. 
Tchinhama, o mais ponderado, por sua vez, acompanhado da sua tia Anguina Cambamba e pelo chefe guerreiro Andumba Uá Tembué, subiram o rio Cuango até às suas cabeceiras onde se fixaram, formando as tribos kiokas ou tchokwes, que são os povos que, descontentes com o casamento de Lwéji com o caçador Luba Tchibinda Ilunga, se separaram dos lundas, seguindo o caminho dos desavindos irmãos. Tchinguri, o mais agressivo e afoito, rumou para ocidente e estabelece-se às portas de Luanda, tendo sido recebido pelo governador português D. Manuel Pereira Forjaz, com quem fez aliança ajudando-o a combater os povos do interior, e de quem recebeu em troca o título de Jaga (Grande chefe) e também a oferta de terras na região de Ambaka e do Golungo Alto. Acabou, finalmente, por se estabelecer na Baixa do Cassanje, fundando o jagado dos bangalas. Entretanto, os vários Muatas que acompanharam Tchinhama e Andumba Uá Tembué foram-se separando para formarem estados independentes. 
Entretanto, num continente diferente do dele, numa cidade chamada Berlim (de que ele nunca tinha ouvido falar), reunidos á volta de uma mesa, os chefes de outros reinos, traçavam a lápis, a divisão do seu continente, com a total indiferença pelo que ele naquele momento, pretendia transmitir aos filhos. Os lundas, que ficaram com Lweji e Tchibinda, defenderam a sua rainha, e os partidários de Tchinguri e Tchinhama terão certamente a sua versão sobre este caso, que remonta ao início do século XVII. Decorria do ano de 1885, em que um macota (ancião), reunido com seus filhos, lhes contava e transmitia, orgulhoso, a história, cultura e tradições do Povo e Reino a que pertenciam, ciente de estar a cumprir a sua obrigação. Igualmente desconhecia que nas linhas traçadas, uma delas passava no meio da reunião que o macota efectuava com os filhos e que determinaria, que ele pertenceria ao Reino de Portugal (cujo território designaram por Angola) e os filhos pertenceriam ao Rei da Bélgica, cuja quinta privada o mesmo designaria por Zaire. 
O que ele desconhecia era que naquele preciso momento, numa cidade chamada Luanda, reunidos á volta de uma mesa, os chefes africanos, vindos de outros reinos, continuavam a opressão e exploração do seu reino, com a total indiferença pelo que ele naquele momento, pretendia transmitir aos bisnetos. E assim decorreu, até aos anos 50-60, do seculo XX, aquilo que o Mundo designou por Colonialismo dos Povos Europeus sobre os Povos Africanos, que por mais esforço que fizessem, não conseguiam separar o ancião dos filhos. 
Numa luta justa, dos Povos Africanos perante a agressão do Colonialismo Europeu, repõem a sua independência. E o velho ancião, reunido com os seus bisnetos, orgulhoso, lhes transmite a história, cultura e tradições do Povo e Reino a que pertencem, ciente de estar a cumprir a sua obrigação.


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