terça-feira, 23 de abril de 2024

"MEMÓRIAS DE UMA AULA NO LICEU DE SETÚBAL"


«Segundo dia de aulas. Continua o desassossego, com o pessoal a trocar beijos, abraços e confidências, depois desta longa separação que foram 3 meses e meio de férias. Estávamos todos fartos do verão, com saudades uns dos outros. A sala é a mesma do ano passado, no 1º andar e cheirava a nova, tudo encerado e polido, apesar do material já ser mais do que velho. Somos o 7.º A e como não chumbou nem veio ninguém de novo, a pauta é exactamente igual à do ano passado. Eu sou o n.º 34, e fico sentada na segunda fila, do lado da janela, cá atrás, que é o lugar dos mais altos.
«Hoje tivemos, pela primeira vez, Organização Política e apareceu-nos um professor novo, acho que é a primeira vez que dá aulas em Setúbal, dizem que veio corrido de um liceu de Coimbra, por causa da política.
«Já ontem se falava à boca cheia dele, havia malta muito excitada e contente porque dizem que ele é um fadista afamado. Tenho realmente uma vaga ideia de ouvir o meu tio Diamantino falar dele, mas já não sei se foi por causa da cantoria se por causa da política. A Inês contou que ouviu o pai comentar, em casa, que o homem é todo revolucionário, arranja sarilhos por todo o lado onde passa. Ela diz que ele já esteve preso por causa da política, é capaz de ser comunista. Diferente dos outros professores, é de certeza. Quando entrou na sala, já tinha dado o segundo toque, estava quase no limite da falta. Entrou por ali a dentro, todo despenteado, com uma gabardine na mão e enquanto a atirava para cima da secretária, perguntou-nos:
– Vocês são o 7.º A, não são? Desculpem o atraso mas enganei-me e fui parar a outra sala. Não faz mal. Se vocês chegarem atrasados também não vos vou chatear.
«Tinha um ar simpático, ligeiro, um visual que não se enquadrava nada com a imagem de todos os outros professores. Deu para perceber que as primeiras palavras, aliadas à postura solta e descontraída, começavam a cativar toda a gente. A Carolina virou-se para trás e disse-me que já o tinha visto na televisão, a cantar Fado de Coimbra. Realmente o rosto não me era estranho. É alto, feições correctas, embora os dentes não sejam um modelo de perfeição e é bem parecido, digamos que um homem interessante para se olhar. O Artur soprou-me que ele deve ter uns 36 anos e acho que sim, nota-se que já é velho. Depois das primeiras palavras, sentou-se na secretária, abriu o livro de ponto, rabiscou o que tinha a escrever e ficou uns cinco minutos, em silêncio, a olhar o pátio vazio, através das janelas da sala, impecavelmente limpas.
«Enquanto ele estava nesta espécie de marasmo nós começámos a bichanar uns com os outros, cada um emitindo a sua opinião, fazendo conjecturas. Às tantas, o bichanar foi subindo de tom e já era uma algazarra tão grande que parece tê-lo acordado. Outro qualquer professor já nos teria pregado um raspanete, coberto de ameaças, mas ele não disse nada, como se não tivesse ouvido ou, melhor, não se importasse. Aliás, aposto que nem nos ouviu. O ar dele, enquanto esteve ausente, era tão distante que mais parecia ter-se, efectivamente, evadido da sala. Quando recomeçou a falar connosco, em pé, em cima do estrado, já tinha ganho o primeiro round de simpatia.
«Depois, veio o mais surpreendente:
– Bem, eu sou o vosso novo professor de Organização Política, mas devo dizer-vos que não percebo nada disto. Vocês já deram isto o ano passado, não foi? Então sabem, de certeza, mais que eu.
«Gargalhada geral.
– Podem rir porque é verdade. Eu não percebo nada disto, as minhas disciplinas, aquelas em que me formei, são História e Filosofia, não tenho culpa que me tivessem posto aqui, tipo castigo, para dar uma matéria que não conheço, nem me interessa. Podia estudar para vir aqui desbobinar, tipo papagaio, mas não estou para isso. Não entro em palhaçadas.
«Voltámos a rir, numa sonora gargalhada, tipo coro afinado, mas ele ficou impávido e sereno. Continuava a mostrar um semblante discreto, calmo, simpático.
– Pois é, não vou sobrecarregar a minha massa cinzenta com coisas absolutamente inúteis e falsas. Tudo isto é uma fantochada sem interesse. Não vou perder um minuto do meu estudo com esta porcaria.
«Começámos a olhar uns para outros, espantados; nunca na vida nos tinha passado pela frente um professor com tamanha ousadia.
– Eu estudaria, isso sim, uma Organização Política que funcionasse, como noutros países acontece, não é esta fantochada que não passa de pura teoria. Na prática não existe, é uma Constituição carregada de falsidade. Portugal vive numa democracia de fachada, este regime que nos governa é uma ditadura desumana e cruel.
«Não se ouvia uma mosca na sala. Os rostos tinham deixado cair o sorriso e estavam agora absolutamente atónitos, vidrados no rosto e nas palavras daquele homem ímpar. O que ele nos estava a dizer é o que ouvimos comentar, todos os dias, aos nossos pais, mas sempre com as devidas recomendações para não o repetirmos na rua porque nunca se sabe quem ouve. A Pide persegue toda a gente como uma nuvem de fumo branco, que se sente mas não se apalpa.
– Repito: eu não percebo nada desta disciplina que vos venho leccionar, nem quero perceber. Estou-me nas tintas para esta porcaria. Mas, atenção, vocês é outra coisa. Vocês vão ter que estudar porque, no final do ano, vão ter que fazer exame para concluírem o vosso 7.º ano e poderem entrar na Faculdade. Isso, vocês têm que fazer. Estudar. Para serem homens e mulheres cultos para poderem combater, cada um onde estiver, esta ditadura infame que está a destruir a vossa pátria e a dos vossos filhos. Vocês são o amanhã e são vocês que têm que lutar por um novo país. Não vão precisar de mim para estudar esta materiazinha de chacha, basta estudarem umas horas e empinam isto num instante. Isto não vale nada. Eu venho dar aulas, preciso de vir, preciso de ganhar a vida, mas as minhas aulas vão ser aulas de cultura e política geral. Vão ficar a saber que há países onde existem regimes diferentes deste, que nos oprime, países onde há liberdade de pensamento e de expressão, educação para todos, cuidados de saúde que não são apenas para os privilegiados, enfim, outras coisas que a seu tempo vos ensinarei.
Percebem? Nós temos que aprender a não ser autómatos, a pensar pela nossa cabeça. O Salazar quer fazer de vocês, a juventude deste país, carneiros, mas eu não vou deixar que os meus alunos o sejam. Vou abrir-lhes a porta do conhecimento, da cultura e da verdade. Vou ensinar-lhes que, além fronteiras, há outros mundos e outras hipóteses de vida, que não se configuram a esta ditadura de miséria social e cultural.
Outra coisa: vou ter que vos dar um ponto por período porque vocês têm que ter notas para ir a exame. O ponto que farei será com perguntas do vosso livro que terão que ter a paciência de estudar. A matéria é uma falsidade do princípio ao fim, mas não há volta a dar, para atingirem os vossos mais altos objectivos. Têm que estudar. Se quiserem copiar é com vocês, não vou andar, feita toupeira, a fiscalizá-los, se quiserem trazer o livro e copiar, é uma decisão vossa, no entanto acho que devem começar a endireitar este país no sentido da honestidade, sim porque o nosso país é um país de bufos, de corruptos e de vigaristas.
Não falo de vocês, jovens, falo dos homens da minha idade e mais velhos, em qualquer quadrante da sociedade. Nós temos sempre que mostrar o que somos, temos que ser dignos connosco para sermos dignos com os outros. Por isso, acho que não devem copiar. Há que criar princípios de honestidade e isso começa em vocês, os futuros homens e mulheres de Portugal. Não concordam? Bem, por hoje é tudo, podem sair. Vemo-nos na próxima aula.
«Espantoso. Quando ele terminou estava tudo lívido, sem palavras. Que fenómeno é este que aterrou em Setúbal? Já me esquecia de escrever. Esta ave rara, o nosso professor de Organização Política, chama-se - chamava-se - Zeca Afonso.»


Por: Hélida Carvalho Santos: - Barreiro, 4 Out. 1967
(antiga aluna do 7º Ano num liceu do Barreiro)


terça-feira, 16 de abril de 2024

O CASTIGO DA ACTRIZ ESTHER LEÃO


Venho aqui prestar homenagem a uma actriz Portuguesa, reconhecida no Brasil por cá nem se fala nela. Refiro-me á actriz Esther Leão, nasceu em 1892 em Lisboa e veio a falecer no Brasil em 1971.
Estreou-se no antigo teatro Dona Amélia na peça O assalto, integrou-se, depois, no teatro Politeama e fez algumas peças e operetas; o êxito faz com que Esther Leão seja accionista da companhia Rey Colaço/Robles Monteiro, no teatro Nacional, onde foi protagonista da peça A severa de Júlio Dantas .
Naquele tempo as companhias para irem de tournée a África tinham de ter uma licença passada pelo ministério dos assuntos das coloniais. Esther Leão foi para África fazer teatro e esteve-se nas tintas para a licença e foi para S. Tomé e Príncipe onde foi muito amada pela população de raça negra que viam nela uma deusa tal era o seu encantamento.
Algum tempo depois voltou para Lisboa e o ministério impôs-lhe um castigo, ela não podia trabalhar no teatro como actriz por não ter acatado a lei! Esther Leão mulher de muita coragem bateu com a porta, fez as malas e foi para o Brasil onde deu lições da arte de dizer e representar.
Logo foi convidada para encenar e dirigir actores, o seu primeiro espectáculo foi em 1939 no teatro estudante do Brasil, em 1940 foi convidada pela companhia Eva Todor para dirigir as peças Feia, Romeu e Julieta e Morte de um caixeiro viajante. A sua ultima encenação foi na peça A menina sem nome.
Todas as grandes actrizes que começaram nos anos 40 e 50 passaram pela sua mão como Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg , etc
Ela foi a grande responsável pelo moderno teatro Brasileiro com a sua técnica e arte!
Deixou escola.
Uma actriz tão esquecida em Portugal e tão amada e venerada em terras Brasileiras

Por:

Paulo Vasco em em RECORDAÇÕES & ARTISTAS FB

terça-feira, 9 de abril de 2024

A PONTE INTERNACIONAL DO MARCO, A PONTE MAIS PEQUENA DO MUNDO — E FICA EM PORTUGAL


Nem todas as fronteiras do mundo estão cercadas de arames farpados ou cheias de militares à espera de ver o passaporte de quem entra. Há países que estão separados por uma linha ou até mesmo por um hotel, como é o caso do Arbez, onde pode adormecer com a cabeça em França e os pés na Suíça.
Se algumas delas são bastante bizarras, outras, por sua vez, destacam-se por serem tão pequenas — e até custa acreditar que são a porta de entrada para outro país. O que muitos não sabem é que a ponte internacional mais pequena do mundo liga Portugal e Espanha.

Com apenas seis de comprimento e 1,45 de largura, a pequena estrutura de madeira liga El Marco, em La Codosera, à freguesia de Esperança, no concelho de Arronches. À primeira vista parece ser uma construção do século passado, mas a verdade é que esta ponte nasceu em 2008. 
Antes disso, a ligação entre as duas povoações era feita através de um pontão improvisado que acabava por ser arrastado pelas águas da ribeira do Abrilongo quando chovia. Sempre que tal acontecia, eram os próprios habitantes que voltavam a colocar as tábuas de madeira para se conseguirem deslocar. 
Afinal, só assim conseguiam realizar as várias trocas comerciais habituais da época: do lado português, vendiam-se toalhas e cafés; do lado espanhol, talheres e vinhos. “O pontão servia os contrabandistas dos dois países da Península Ibérica, que por ali transportavam tabaco, café, cortiça, azeitonas, entre outros produtos, para serem vendidos do outro lado da fronteira”, explica a autarquia de Arronches. 
A chegada do acordo Schengen em 1996 acabou com este pequeno comércio. 
Mais tarde, em 2008, tudo mudou graças à iniciativa do município português de Arronches. 



Com o financiamento da União Europeia, iniciaram-se os trabalhos de construção da ponte, que contou com trabalhadores de ambos os países. Agora, já tem corrimãos e reforços que impedem que volte a ser arrastada nos dias de tempestade. 
Ainda assim, a dimensão e configuração da Ponte Internacional do Marco, como é conhecida, permite apenas a passagem de pedestres e veículos de duas rodas. Em apenas seis metros, é possível atravessar um rio, mudar de país e até de fuso-horário. 
Rodeado por castanheiros, oliveiras e azinheiras, este marco geográfico acaba por passar despercebido. Não há qualquer tipo de indicação, exceto umas letras em pedra, situadas em ambas as margens do rio, em que há um “E” e um “P”, as iniciais de cada país. 
Para evocar os tempos antigos, a cidade de La Codosera organiza anualmente a “Ruta do Contrabando”, uma atividade que recria o mesmo itinerário que os contrabandistas faziam há décadas entre Espanha e Portugal. O último evento do género aconteceu em março do ano passado e os participantes percorreram, claro, a ponte internacional mais pequena do mundo. 
Durante o percurso não faltam histórias e lendas dos contrabandistas que viveram naquela época. Para já, ainda não foram divulgadas novas datas. 



texto SARA LOPES - NIT

terça-feira, 26 de março de 2024

PEDACITOS NOSTÁLGICOS DE UM PASSADO QUE JÁ LÁ VAI!...


Vamos recuar à fase que antecedeu a de “mancebo” que tanto temos falado nesta página porque, também fomos alunos da Primária. E há sempre recordações da nossa meninice que, no momento presente, já com idades avançadas, vêm há luz constantemente! Prelúdio de um “ciclone” que chegará um dia, mas que convém afastar essa ideia, aiiindaaa…
Da 1ª. Classe lembro-me da primeira lição e, nunca me fugiram da memória estas imagens!... 


Da 2ª. Classe e porque gostei muito da minha Mãe, relembro-me deste texto que sintetizo: - José!...São horas, meu filho. Levanta-te para não chegares tarde à escola – Diz a mãezinha.  

E, debruçada sobre a minha cama, vai-me afagando o rosto e os cabelos e, deste modo, acaba de me despertar…

Da 3ª. Classe todos nós ainda soletramos “A NEVE”: Batem leve, levemente; Como quem chama por mim; Será chuva? Será gente; Gente não é certamente; E a chuva não bate assim…,…Mas, as “Vozes dos Animais”  tinham mais ritmo!...

E, por fim, a 4ª. Classe - a última da Primária, aquele ano em que fazíamos três exames: A 4ª. Classe, e as Admissões ao Liceu e às Escolas Industriais e Comerciais.

Lembram-se da “MOLEIRINHA” de Guerra Junqueiro?
Pela estrada plana, toc, toc, toc
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc,
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!

Ao longo dos quatro ou, mais anos da Primária, havia uma ficha atribuída a cada aluno para registo das faltas, comportamentos, datas da realização de exames, vacinas, filiação, nomeação do encarregado de educação, etc.

Após a aprovação no exame da 4ª. Classe, obtinha-se este valioso Diploma, idêntico para todo o País!...

 Aos professores era-lhes concedido o Termo de posse do lugar

ACRESCENTANDO COM OS MEUS REGISTOS PESSOAIS!...
A MINHA ESCOLA DA 1ª. CLASSE NO ANO LECTIVO DE 1956 / 1957

OFERTA DESTE LIVRO ATRIBUÍDO PELA PROFESSORACOMO 3º. PRÉMIO DAS MINHAS “Competências” 1956

A MINHA PROFª. DA 1ª. CLASSE
AINDA VIVA, COM 90 ANOS, NATURAL DE CONDEIXA
E RESIDENTE EM LEIRIA

SEMANÁRIO DA MINHA CIDADE EM REPORTAGEM
DO ENCONTRO DOS “VELHOTES” 

OS DIVERSOS ENCONTROS








LIVROS QUE ESCREVI PARA HISTORIAR TODA ESTA MINHA INFÂNCIA







Por: Vitor Oliveira

terça-feira, 12 de março de 2024

OS LUSITANOS



Os Lusitanos foram uma antiga tribo celta que habitava a região da Península Ibérica, especialmente o território correspondente ao atual Portugal. Eles desempenharam um papel significativo na história da península, especialmente durante o período da ocupação romana.

A origem dos Lusitanos remonta aos primeiros povos celtas que migraram para a Península Ibérica no primeiro milênio a.C. Eles eram uma sociedade tribal, organizada em clãs e liderada por chefes locais. Os Lusitanos eram conhecidos por sua habilidade em guerra e resistência, e eles frequentemente lutavam contra a expansão romana na região.
Uma das figuras mais famosas da história lusitana é Viriato, um líder militar que comandou a resistência dos Lusitanos contra os romanos no século II a.C. Viriato liderou uma série de ataques bem-sucedidos contra as forças romanas, ganhando fama por sua bravura e habilidade tática. No entanto, ele foi eventualmente traído e assassinado por aliados romanos.
Apesar da resistência dos Lusitanos, a Península Ibérica foi conquistada pelos romanos no século II a.C. Durante o período romano, os Lusitanos foram gradualmente assimilados pela cultura romana, adotando a língua, leis e costumes do Império Romano. No entanto, vestígios da cultura lusitana sobreviveram através de nomes de lugares, práticas culturais e tradições populares.
Após o declínio do Império Romano, a Península Ibérica foi invadida por diferentes povos, incluindo os visigodos e os mouros. Durante a Idade Média, o território que hoje é Portugal foi formado gradualmente, com a fusão de diferentes comunidades celtas, romanas e visigodas.

Hoje, os Lusitanos são lembrados como os ancestrais do povo português, e seu legado está presente na cultura, língua e identidade nacional de Portugal. A figura de Viriato, em particular, é reverenciada como um herói nacional que simboliza a resistência e a determinação do povo português ao longo da história.
Em Estudos Históricos FB

terça-feira, 5 de março de 2024

O MARAVILHOSO PODER DAS PALAVRAS


Letícia foi minha aluna numa escola em Trás-os-Montes em plena Serra…

Tinha 11 anos, conhecia as carências e a sujidade da vida e, mantinha sempre a mesma roupa, herdada por uma tradicional necessidade familiar. 
Onze anos a lutar com os bichos dia e noite. Com um nariz que como vela escorria o tempo todo. Com cabelo comprido e desbotado servindo de escorrega para os piolhos. Mas…mesmo assim, era uma das primeiras a chegar à escola. 
Na hora do trabalho em grupo ninguém desejava trabalhar com ela e, os colegas não lhe davam a oportunidade de demonstrar o quão inteligente ela era. Letícia conheceu bem cedo o significado do repúdio! 
De vez em quando contava histórias aos meus alunos mas, interrogava-me e comentava para comigo próprio!... De que adianta ler histórias para estas crianças se algumas delas nem comeram?! Servirá de alguma coisa alimentá-los com fantasias?!  
Eu acreditava que sim, mas não sabia até onde! Constantemente contava-lhes histórias, especialmente na hora mágica das leituras, duas vezes por semana. E, num outro dia, li o conto da "Cinderela" e, quando cheguei à parte em que a fada madrinha transformou a jovem andrajosa numa linda princesa com um vestido vaporoso e de chinelos de cristal, Letícia aplaudiu freneticamente o milagre realizado. 
Noutra ocasião, perguntei aos meus alunos o que eles desejavam ser quando crescessem… E o baú dos seus desejos abriu-se para mim! 
Alguém queria ser astronauta, embora nem a carreira chegasse à aldeia outros, desejavam ser mestres, artistas ou, soldados. Mas quando foi a vez da Letícia, levantou-se e com voz firme disse: "Eu quero ser médica! " e, uma gargalhada insolente foi ouvida na sala de aula. 
Letícia com lágrimas nos olhos encolheu-se toda no banco invocando a fada madrinha da Cinderela que não chegou… 
E o meu trabalho nessa escola terminou com o final do ano lectivo…  
A vida seguiu o seu curso e passados 15 anos, voltei por estes lugares para reviver memórias deparando-me com algumas respostas e outras quantas perguntas. Algumas, Boas notícias...,…sendo uma delas, que a carreira já passava na aldeia! 
Antes de chegar ao cruzeiro onde transbordam os passageiros que vão para a outra povoação, uma jovem abeirou-se de mim vestida de branco e, abordou-me: 

O senhor é o professor Vítor Manuel!... Foi meu professor! E surpreendida e sorridente deu continuidade à conversa, acrescentando, “É Aquele que podia encantar cobras com as histórias que contava.” 
Lisonjeado, respondi: 
Sim, esse sou eu!... 
Não se lembra de mim, professor? Perguntou ela, e continuou dizendo com a mesma voz firme de outros tempos…eu sou a Letícia... E, eu, sou médica... 
Por momentos revivi as Minhas Memórias para reconstruir a imagem daquela garotinha que noutros tempos ninguém queria ter por perto! 
Ela desceu no cruzeiro deixando, como a Cinderela, a pegada de seus ténis no estribo da carreira… E eu, focado no passado com mil perguntas para lhe fazer, fiquei especado pela surpresa e, a ouvi-la ainda a dizer: Trabalho em Bragança... Encontre-me na clínica tal... e, abalou... 
Um dia fui à clínica que ela me referenciou e não a encontrei. Nem a enfermeira nem o porteiro a conheciam. "As histórias são lindas, mas não deixam de ser histórias", e eu acabei por lamentar não acreditando no que ela me tinha dito. 
Arrependido de ter ido, e quase derrotado, encontrei a directora da clínica e falei com ela. E o que ela me disse encheu-me de felicidade despoletando a minha fé nas pessoas e na literatura: 
A Dra. Letícia trabalhava aqui - contou-me a directora. Ela é uma pessoa muito humana e tem muito amor pelos pacientes, principalmente pelos mais necessitados. 
Essa é a pessoa que eu procuro - quase gritei! 
Mas já não está entre nós - disse a directora. 
Morreu? - Perguntei ansioso. 
Não, disse sorrindo. A Dra. Letícia candidatou-se a uma bolsa de estudo e ganhou-a... Agora está em Itália. 
Letícia continua a aprender mais e a ensinar os seus segredos para lutar e prosseguir os seus sonhos e, eu, ainda quero saber até onde vai o poder das palavras e qual será o segredo para encantar as cobras!... 
Como professor, o que posso fazer para equilibrar a balança da justiça social em casos semelhantes?! Quando começou a descolagem dos sonhos de Letícia?! E qual terá sido o destino do resto dos seus companheiros?! E onde estará a força das mulheres que superam qualquer expectativa?! 
Não quero mais ser o professor da Letícia! Agora quero aprender e quero que ela me ensine como uma lagarta evolui para se tornar um anjo e, acima de tudo, quero descobrir qual foi a varinha mágica que a transformou na Princesa do Conto de Fadas.

"Letícia, piolhos e…contos de fadas”



Nota: Recolha deste texto de um autor desconhecido. Resumi, “consertei-o” e coloquei imagens para o melhorar. V. Oliveira 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

CURIOSIDADES SOBRE O BARALHO DE CARTAS


Além do entretenimento, as cartas de um baralho possuem um significado especial.

A origem do baralho é incerta, há vertentes que acreditam que foi uma criação chinesa e, outras, que crêem na invenção árabe. O certo é que chegou no século XIV, à Europa e, com a evolução dos processos de impressão no centenário seguinte, se tornou muito popular.
Apesar de não ter origem confirmada, diz-se que as cartas eram usadas como um calendário agrícola, por moradores do campo. 

Vejam só:
Ao todo são 52 cartas, o mesmo número de semanas no ano. 
As doze cartas em sequência representam os meses. As figuras da corte (Rei, Valete e Dama de todos os naipes) são 12 e, cada uma representa um mês do ano. 
Já a divisão de cores, preto e vermelho, representam a noite e o dia respectivamente. 
Os diferentes naipes fazem associação às estações do ano: ouros (Primavera), paus (Verão), copas (Outono), espadas (Inverno).
Ao somar todas as cartas, o resultado será 364. O número somado com o jocker (coringa) totaliza 365 que são o número de dias no ano. 
Também há quem considere que as Copas representam o clero; as Espadas, a nobreza; ao Paus, os camponeses e os Ouros, a burguesia. 

E, nas figuras, há este conceito: 
Rei de Ouros – Júlio César
Rei de Espadas – David, rei israelita
Rei de Copas – Carlos Magno
Rei de Paus – Alexandre, o Grande
Dama de Ouros – Raquel, esposa de Rocob
Dama de Espadas – Atena, deusa grega
Dama de Copas – Judite, personagem bíblica
Dama de Paus – Elizabete I de Inglaterra
Valete de Ouros – Heitor, Príncipe de Tróia
Valete de Espadas – Napoleão Bonaparte
Valete de Copas – Dante Alighieri, escritor britânico
Valete de Paus – Sir Lancelot

E a carta que tem a frente com maior liberdade de criação é o Jocker, que representa os palhaços dos jograis realizados nos castelos medievais. 


Nota: Arranjo feito por V. Oliveira em pesquisas diversas