Ei !.Ei ! pessoal mantenham a calmaaa...nada de tirar Ilações precipitadas, até porque é um texto do grande escritor Eça de Queiroz...Ops!!
Começo por recordar uma quadra cantada pelas jovens estudantes de Coimbra nas Festas da Queima das Fitas:
São Gonçalo de Amarante
Casai-me que bem podeis
Já tenho teias de aranha
No sítio que bem sabeis
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Agora, não deixem de ler o texto abaixo do grande Eça de Queiroz, a propósito do histórico santo casamenteiro;
Valdemira Gomes do Ó – ou Mirita, como todos a conheciam em Tagilde, onde geria com pulso de ferro um mini-mercado com tasca associada, atravessou a ponte sobre o Tâmega em direcção à bela Igreja de S. Gonçalo, onde entrou animada de plano concreto. Já dentro do rico templo procurou a pequena capela do santo, que à hora do almoço não apresentava grande movimento – apesar daquele primeiro domingo de Junho ser a sua festa anual.
Junto ao túmulo de calcário polícromo apenas duas mulheres rezavam, tocando o monumento umas vezes com as mãos, outras com a cabeça.
Mirita esperou, de joelhos no chão.
A seu lado, no interior de um saco colorido feito em espesso tecido bordado com motivos florais, descansava um outro saco de plástico transparente bem cheio de Doces do Santo – uma espécie de cavacas de Resende de formato inequivocamente fálico. Ela e o marido iriam nos dias mais próximos ter por sobremesa exclusiva os conhecidos "Caralhos de S. Gonçalo".
Mas faltava o principal, de acordo com os conselhos da mulher de saber que consultara há duas semanas na Portela do Gove: devia esfregar a testa do corpo no túmulo do santo, mas sem qualquer roupa em cima…
Por isso viera sem cuecas.
Restava aguardar o momento em que a capela não tivesse ninguém: então iria erguer a saia, esfregando de seguida a felpuda intimidade no calcário pintado que cobria e alindava o túmulo do santo padroeiro de casadoiras e inférteis de longo curso.
Finalmente o momento chegou.
Ninguém à vista!
Mirita levantou a saia, que escolhera larga e apropriada à ousada manobra, e, cheia de cuidados, esfregou uma e outra vez a testa do sexo no vértice já um pouco gasto do velho túmulo – ao mesmo tempo que murmurava a ladainha que a Bruxa de Eiriz, como era conhecida a sua mulher de saber, lhe indicara por conveniente.
Na sua devoção paroxística nem deu pela aproximação de uma outra mulher, bem mais velha, que a assustou com um comentário trocista:
–Ó santinha…, deixe-se lá disso, carago… Olhe que não vão ser essas esfregadelas que a vão ajudar, isso é garantido…
Mirita, que baixara num repente o largo vestido e se apressava a ganhar alguma compostura no meio de uma coradela que não enganava ninguém, apressou-se a ripostar uma quase irada e gaguejante pergunta:
–E quem é você para saber se funciona ou não?…
–Sou parteira diplomada, Genoveva Pires ao seu dispor… Mas diga-me só uma coisa: já fez algum teste de fertilidade?…
–Já fiz sim senhora!, e o doutor disse que eu não tinha nada estragado…
Então a diplomada Genoveva pediu-lhe para a acompanhar para fora da igreja, pois tinha algo de muito importante para lhe dizer.
Já cá fora, no parque lateral ao convento, mesmo em frente ao Museu Amadeo de Souza-Cardoso, as duas encontraram poiso calmo e relativamente distante de ouvidos alheios.
Genoveva Pires foi direita ao assunto:
–Minha santinha, se você não tem nada estragado… então quem está estragado é o seu homem. Ele porta-se bem no serviço?…
Que sim, que era um animal completo, que não a deixava em paz noite nenhuma… A não ser quando apanhava grossa carraspana. E acusava-a de não lhe dar filhos, um que fosse, e ela que bem queria, pois seria maneira dele a deixar em paz por uns tempos, ao menos…
–Então é porque tem os leites estragados…, disse a diplomada em tom professoral.
Que não podia ser, que nem lho poderia dizer, que a matava, que lhe fugiria – lamentava-se Valdemira Gomes do Ó, com lágrimas fáceis a inflamar-lhe já as vistas.
O conselho da diplomada parteira chegou seco e pesado com um relâmpago do estio:
–Arranje outro macho para o serviço… Mas longe daqui, que não seja conhecido… E faça a parte de comer os doces, e diga ao seu homem que veio à igreja esfregar-se, que ele assim achará que foi mesmo milagre…
Da imediata reacção furiosa de Mirita resultou o fim da entrevista, com a parteira Genoveva a bater em retirada no meio de comentários pouco abonatórios à inteligência da putativa mãe frustrada.
À falta de melhor, a gerente comercial de Tagilde voltou à igreja em busca de consolo no confessionário.
Cinco meses se passaram, assim como muita água do Tâmega correu por baixo da velha testemunha granítica de napoleónicos esforços e galopes liberais ou absolutistas.
Num início de tarde outonal, Valdemira do Ó saía do restaurante "Zé da Calçada" apoderada do braço de um homem atarracado que se esforçava, de forma quase hostil para terceiros, por protegê-la de qualquer encontrão do muito povo que animava as ruas. A protuberância ventral que Mirita exibia não deixava dúvidas: estava grávida, muitíssimo grávida!…
O casal encaminhou-se para uma Toyota Hiace, onde o homem, com cuidado extremo, ajudou a mulher a subir e a instalar-se comodamente no lugar do passageiro. Depois, ligando o rádio e beijando-a com carinho evidente, rumou à Igreja de S. Gonçalo.
Mirita cabeceava de sono quando um leve toque no vidro da Hiace a fez despertar para uma incómoda realidade: do outro lado, com um sorriso de frincha negra, a parteira diplomada fez-lhe sinal para descer o vidro.
Não querendo escândalo, a gerente comercial de Tagilde lá acedeu em descer o vidro, para de imediato ouvir um sonoro «Ahhh!…».
–É, respondeu Mirita secamente.
–E?…, perguntou a parteira Genoveva.
–Oh!…, não lho vou dizer, carago…
–Diga-me só se é de longe, minha filha. Não lhe quero mal nenhum, e por isso é que lhe pergunto se não é daqui… Porque, veja bem, se for daqui e tiver mais filhos, ainda pode acontecer uma coisa que você nunca quereria… Imagine que tem uma menina e ela, daqui a 20 anos, se apaixona por um meio-irmão que não conhece?…
–Bem…, começou a medo a futura mãe, ele não é daqui mas tem vivido por aqui…
–Eu sei tudo sobre os pais e os filhos desta cidade e arredores…, bem, de quase todos… Diga-me só quem é, para sabermos se há algum risco. Pela minha honra que nunca falarei no assunto…
–… É o padre…
Genoveva Pires deitou por momentos as mãos à cara, antes de declarar o seu espanto:
–Ai então não há perigo por ser o padre?!… Pois olhe que agora é que o perigo é grande, mulher!… É que nem eu lhe conheço os filhos todos, carago…!
Eu bem lhe disse que isso era para se fazer longe daqui, santinha!…
A conversa desfez-se ali, o vidro subiu lentamente, com o mesmo vagar com que a diplomada se afastava da Hiace.
O atarracado marido regressava, de sorriso estampado no rosto.
De longe ainda, apontou para um transparente saco repleto de "Caralhos de S. Gonçalo".
Ao entrar no furgão anunciou com felicidade evidente:
–Hoje até me confessei!…
Autor: António Eça Queiroz.
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