terça-feira, 14 de junho de 2022

GUNGUNHANA



O Imperador de Gaza Gungunhana, o mais importante imigrante e preso político do espaço lusófono, já tem uma estátua em sua memória na cidade de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira. 
O Concelho de Angra do Heroísmo acabou de inaugurar um monumento em homenagem ao “Leão de Gaza”, quando passam agora 126 anos da condenação ao exílio do Império de Gaza, espaço territorial que deu lugar ao actual país Moçambicano. 

Em 1896, este Imperador desembarcou em Angra do Heroísmo, a bordo do navio “África”, após ter sido capturado pelo capitão Mouzinho de Albuquerque que comandou um regimento português, em Chaimite, o último reduto da resistência vátua (ou angune), etnia dos líderes de Gaza. 
Gungunhana foi capturado por resistir à ocupação colonial portuguesa, em 1895, e esteve três meses preso em Monsanto, até ser enviado para a Fortaleza de São João Baptista, em Angra do Heroísmo, com o filho Godide, o tio e conselheiro Molungo e Zixaxa, um chefe de uma tribo que tinha atacado Lourenço Marques (actual Maputo) e que ainda hoje tem descendentes na ilha. 



Segundo o curador do Forte de Maputo, Moisés Timba, Gungunhana foi “amarrado e arrastado” até à embarcação que o levaria para Lisboa, mas este não foi o único momento de humilhação a que foi sujeito. 
Apresentado como um “troféu de guerra”, foi obrigado a separar-se das sete mulheres (de mais de 300) que o acompanharam até Lisboa, quando foi transferido para a ilha Terceira. 
Jorge Forjaz salientou que, segundo os jornais da época, os quatro prisioneiros de Gaza percorreram as principais ruas de Angra do Heroísmo, entre o cais da cidade e a Fortaleza de São João Baptista, no dia 27 de junho de 1896, descalços e com roupas velhas. 
Segundo o mesmo Jorge Forjaz, pouco se sabe sobre o dia-a-dia de Gungunhana, mas entre as ocupações dos quatro prisioneiros estavam, por exemplo, a caça ao coelho e a construção de cestas de bambu, algumas das quais ainda se encontram conservadas em Angra do Heroísmo. 
Eles nem sequer estavam presos. Andavam em liberdade lá dentro. À noite é que recolhiam ao calabouço para dormir. Andavam pela fortaleza e pelo Monte Brasil, vinham à cidade… Também não tinham para onde fugir, apontou, citado pela Lusa. 
Três anos depois de chegarem à ilha Terceira, Gungunhana, Godide, Molungo e Zixaxa foram batizados na Sé de Angra, com padrinhos e testemunhas ligados às mais altas instituições de Angra do Heroísmo (câmara municipal, Junta Geral, Governo Civil, liceu, capitania). 
Tiveram uma cerimónia que em Portugal só acontecia com os filhos dos reis. Não se conhece nenhuma cerimónia de um batismo de um particular que tivesse sido com esta grandeza, salientou Jorge Forjaz, cujo bisavô foi padrinho do então batizado Reinaldo Frederico Gungunhana. 
O último imperador de Gaza acabou por morrer dez anos depois de chegar a Angra do Heroísmo, mas Zixaxa, batizado como Roberto Frederico Zixaxa, teve dois filhos (um dos quais morreu em criança) e vivem ainda na ilha Terceira três bisnetos seus. 
Gungunhana tinha aproximadamente 60 anos quando morreu e foi enterrado na véspera de Natal, velado pelos seus 31 companheiros de exílio também feitos prisioneiros em Angra de Heroísmo. 
O documentário “Remembering Gungunhana and the other Royals that lived amongst us”, que teve estreia global nos Açores, realça a importância de Gungunhana enquanto o último monarca da dinastia Jamine, de origem zulu que, entre 1884 e 1895, reinou mais de 1,5 milhão de habitantes num território de 90 mil quilómetros quadrados, no sul de Moçambique. 
“Cresci a ouvir histórias sobre um imperador que tinha sido levado por gente branca que eram contadas por minha avó. Só mais tarde é que percebi que se tratava de Gungunhana e que ele era uma pessoa real e não um mito”, disse aos jornalistas o zimbabueano Mosko Kamwendo, realizador do filme sobre o Imperador de Gaza e também da película sobre o percurso do primeiro Presidente moçambicano, Samora Moisés Machel, que produziu há alguns anos.

GUNGUNHANA E A SUA TRASLADAÇÃO POLÉMICA

O último acto da saga de Gungunhana acontece entre 1983 e 1985 e inicia-se quando em Outubro de 1983 o presidente moçambicano Samora Machel visita Portugal e acorda com o seu homólogo português Ramalho Eanes a trasladação para terras moçambicanas dos restos mortais do imperador de Gaza, que jaziam há 77 anos algures no cemitério da freguesia da Conceição, na periferia da cidade de Angra do Heroísmo, nos Açores.
Depois de complexas pesquisas históricas e escavações, e de uma autorização de trasladação concedida pelo Presidente do Governo Regional dos Açores, João Bosco Soares da Mota Amaral, as ossadas foram simbolicamente entregues ao Estado português, sob a forma de uma pequena urna contendo terra da campa onde fora enterrado, que por sua vez as colocou na capela do Palácio das Necessidades, em Lisboa, onde permaneceram por dois anos.
Finalmente em 1985, por ocasião das celebrações do 10.º aniversário da independência moçambicana, a urna foi entregue ao Estado moçambicano e transportada para Moçambique. Foi assim que a 15 de Junho de 1985, em cerimónia solene devida a um herói nacional, a urna de madeira de Gungunhana, pesando 225 kg e esculpida pelo artista moçambicano Paulo Come sob a coordenação de Malangatana Valente, fica exposta, de início, no Salão Nobre do Conselho Executivo da capital e, mais tarde, dá entrada na Fortaleza de Maputo. Tem como companhia os baixos-relevos com que o poder colonial glorificou as campanhas de pacificação de Gaza e as enormes estátuas de Joaquim Mouzinho de Albuquerque e de António Enes, que Moçambique guarda como relíquias históricas do tempo colonial. 
Naturalmente, face à incerteza na localização da campa e ao facto de as sepulturas naquele cemitério serem regularmente reutilizadas, quer a imprensa portuguesa quer a moçambicana levantaram dúvidas sobre a autenticidade das ossadas desenterradas no cemitério da Conceição. De facto, o gesto foi meramente simbólico, já que não foi possível localizar com o mínimo de credibilidade os restos de Gungunhana, isto admitindo que a terra ainda os não teria consumido inteiramente, como aliás é norma nas condições edafo-climáticas açorianas.





Nota: Compilação e arranjo feito por V. Oliveira

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