Imponente formação geológica, a Fraga da Pena revelou indícios da existência de dois recintos muralhados há cerca de quatro mil anos.
Em plena Beira Alta, Fornos de Algodres oferece um roteiro arqueológico no qual pontificam sítios do Neolítico e Calcolítico (4.º e 3.º milénios a.C.): são-nos propostos dois monumentos megalíticos (Cortiçô e Matança) e dois recintos muralhados (Castro de Santiago e Fraga da Pena).
Fazer este percurso é mais do que visitar sítios arqueológicos. É apreender as formas deste território e perceber a sua apropriação pelo homem na construção de uma paisagem significante. Durante 2000 anos, o povoamento pré-histórico sublinhou a dualidade que caracteriza estas terras: os monumentos funerários foram implantados a oeste, na área aplanada que termina os Planaltos Centrais, e os sítios habitacionais e cerimoniais localizados nos limites leste dessa área, num rebordo escarpado que constitui o início de uma sequência de vales encaixados subsidiários do Mondego, designado graciosamente por “teclas de piano”.
A Anta da Matança deverá ter sido criada no quarto milénio a. C.Podemos ver nesta localização dual os princípios cosmológicos neolíticos: a oeste, onde o Sol se põe, o espaço dos mortos; a leste, onde o Sol se levanta, a terra dos vivos. Mas a “localização de fronteira” dos sítios habitacionais proporcionava-lhes igualmente o acesso aos diversos recursos de ambas a áreas. Estabeleceu-se, assim, ao longo do rebordo do planalto uma rota de circulação Norte-Sul, que ainda na primeira metade do século passado era percorrida pela transumância destinada à serra da Estrela e séculos antes por um dos caminhos de peregrinação a Santiago de Compostela, revelando a profundidade histórica de trajectos e formas de percorrer o território, e que este roteiro permite captar.
Partindo de Fornos de Algodres, o percurso pode ser feito começando pelas antas, subindo directamente ao planalto, ou pelos recintos, percorrendo os vales de Cortiçô e Muxagata. A Anta da Matança apresenta uma câmara funerária com 3,90 metros de altura e 4 metros de largura, formada por nove esteios e laje de cobertura, não tendo evidências de corredor. Dois dos esteios apresentam motivos gravados.
Quanto à Anta de Cortiçô, a câmara de nove esteios e laje de cobertura tem três metros de altura e 3,90 metros de largura, apresentando um corredor de acesso com 4,80m de comprimento. Preserva ainda parte da mamoa e três dos esteios têm vestígios de pinturas a vermelho. Ambos os monumentos foram construídos durante o Neolítico, no quarto milénio antes de Cristo, mas foram reutilizados no milénio seguinte durante o Calcolítico.
A Anta de Cortiçô.
É deste último período que datam os dois recintos muralhados. O Castro de Santiago, da primeira metade do terceiro milénio antes de Cristo, está implantado num cabeço com grande visibilidade sobre a paisagem.
Apresenta dois recintos com muralhas entre os penedos graníticos ali existentes. No recinto interior, são visíveis restos de duas estruturas de cabana com lareira e um lajeado.
A Fraga da Pena, no extremo norte do percurso, corresponde a um majestoso tor granítico, um marco natural que ainda hoje divide concelhos e freguesias. A este “castelo natural” foram anexados, no final do terceiro milénio a.C., dois pequenos recintos muralhados.
Com uma implantação destacada sobre o profundo vale da ribeira da Muxagata e com a serra da Estrela na linha do horizonte, este recinto revelou evidências contextuais e materiais que permitem interpretá-lo como um centro cerimonial, constituindo-se como um verdadeiro palco para a plateia natural que o enfrenta à chegada. Esta vocação agregadora foi sendo reactivada no presente através da cíclica organização de eventos festivos que tomaram a Fraga como palco.
O roteiro é complementado por um centro interpretativo em Fornos de Algodres, que expõe materiais, imagens e informação provenientes destes e de outros sítios arqueológicos do concelho.
Texto: António Carlos de Valera
Nota: Pesquisa e compilação de V. Oliveira
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