terça-feira, 2 de maio de 2023

DIAMANG


A maior empresa do império português nasceu há 100 anos em Angola

A ocupação
Distante de Luanda, escassamente habitado, inóspito e aparentemente desinteressante para o colonizador. Foi este o rescaldo transmitido a Lisboa em 1894, quando os portugueses se apoderaram do distrito da Lunda, no Nordeste de Angola. Não admira, portanto, que o desinteresse tenha adiado durante alguns anos a demarcação de fronteiras. Foi preciso esperar por Paiva Couceiro, governador-geral de Angola entre 1907 e 1909, para que isso fosse feito. Porém, delimitadas as fronteiras, tudo regressou ao seu estado original – sem ocupações militares; sem colonos; quase sem comunicações com o resto da colónia; habitado por algumas tribos nativas.
Tudo se manteve inalterado até 1917, quando a Lunda galgou fronteiras e entrou nas esferas económicas e financeiras internacionais. O que mudara? A descoberta de jazidas de diamantes.

Uns anos antes, em 1912, tinham sido encontrados sete diamantes numa das margens do rio Chiumbe. A descoberta suscitou a curiosidade da Forminière (Société Forrestiére et Miniére du Congo), uma empresa de capitais belgas que, desde 1907, laborava nas jazidas encontradas no lado congolês da bacia hidrográfica do Cassai, na fronteira entre Angola e o então Congo Belga.
A exploração mineral feita pela Forminiére fazia crer na continuidade de jazidas na margem angolana, pelo que a companhia encorajou a criação, em 1912, de uma empresa de prospecção: a PEMA – Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola.
A PEMA não alterou muito a paisagem da 
Lunda. O posto português mais próximo, Luchico, distava a mais de 100 quilómetros. O Nordeste, esquecido pelo colonizador, mantinha assim uma certa aura misteriosa. As poucas investidas portuguesas, já no século XX, soçobraram perante a resistência dos nativos, como os Calendende ou os Quiocos. E as expedições científicas enfrentaram as mesmas dificuldades.
Até 1917 o Nordeste angolano não assistira ainda a uma ocupação efectiva, pelo que a Lunda era território de ladrões e de aventureiros brancos que se dedicavam ao contrabando. Tudo começou a mudar a partir de 16 de Outubro desse ano, quando a PEMA deu origem à Diamang – Companhia de Diamantes de Angola, legando-lhe os direitos de prospecção e exploração das jazidas diamantíferas.
Em pouco tempo, a primeira mina foi aberta e entrou em funcionamento, 
tendo o recrutamento de trabalhadores sido feito nos sobados locais, onde a resistência mantinha alguma robustez. Esta resistência era dirigida pelos Quiocos, que lutavam para travar a ocupação das suas terras, beneficiando da escassez de militares em Luchico.
Confrontado com a desproporção de forças e a resiliência dos Quiocos, o Governo da metrópole ainda ponderou enviar tropas para a Lunda, mas a ideia não passou disso mesmo. A Diamang, contudo, não deixou de insistir junto de Salazar para que a área de concessão (inicialmente com 20 mil quilómetros quadrados) fosse militarmente ocupada, uma vez que as prospecções e os trabalhadores exigiam vigilância. Mas teve de esperar alguns anos para que tal acontecesse.
Em troca do manancial de privilégios, a Diamang dava anualmente ao Governo 40 por cento dos lucros da Companhia – valor que foi elevado para 50 por cento em contratos posteriores.

A sexta colónia africana
Foi a maior companhia do Terceiro Império Português e uma das cinco maiores produtoras de diamantes do mundo, dominando, nos anos 70, uma área de 52 mil quilómetros quadrados. A concessão confinava a Oeste e a Sul com o restante território da colónia, a Sudeste com a actual Zâmbia (então designada Rodésia do Norte) e a Norte e a Nordeste com a actual República Democrática do Congo (então Congo Belga).
O primeiro contrato que a Companhia 
celebrou com o Governo português prenunciava já que a Diamang viria a converter-se num “Estado dentro do Estado”.
O contrato acelerou o crescimento da Companhia em diversas vertentes.
No início dos anos 20 já existiam nove locais de mineração; e nos anos 30 a fixação de trabalhadores ganhou novos incentivos com a inauguração, no Dundo, cidade-centro administrativo da Diamang, da primeira Escola Oficial do Ensino Primário e de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição.
Eram evidentes os primeiros passos para a auto-suficiência. Tudo 
confluía nesse sentido. Por isso, nos anos 40 a Companhia possuía uma Secção de Pecuária, Serviços Administrativos, Serviços da Concessão, Serviços de Distribuição e Abastecimentos, Serviços de Informação e Diligências (criados para combater o tráfico ilegal de diamantes e vigiar os trabalhadores africanos), um Corpo de Polícia, um Laboratório Fotográfico, Serviços de Mão-de-Obra Indígena, o Serviço de Propaganda e Assistência à Mão-de-Obra Indígena (o SPAMOI era responsável por orientar os indígenas na produção agro-pecuária, higiene pessoal e doméstica e na construção de aldeamentos, por exemplo) e uma Secção de Transporte e Alfândega.

O “Estado dentro do Estado” fundava cidades, tinha um contingente policial próprio, abria estradas, construía barragens e centrais hidroeléctricas, possuía serviços de saúde e laboratórios de investigação, edificava escolas, tinha emissoras de rádio e um museu no Dundo.
A cidade do Dundo foi uma criação da Diamang, que escolheu a margem esquerda do rio Luachimo para edificar aquela que foi uma espécie de capital da Companhia. Leite de Castro, engenheiro da empresa, escreveu, em 1929, que ali se encontravam “(…) as principais habitações para brancos, algumas das quais com pequenos jardins anexos, há numerosos escritórios, armazéns, oficinas excelentemente montadas, com tornos e serras mecânicas, casas de venda, garagens, hospitais, dispensários, uma farmácia, uma estação telégrafo-postal e outra de TSF, uma instalação frigorífica, etc (…)”. Dotada com condições inéditas na colónia, a cidade viu surgir, a partir dos anos 30, as primeiras estruturas recreativas: um court de ténis, um picadeiro, um jardim de aclimatação de plantas e uma Casa do Pessoal da Diamang.
Em 1937, data de renovação do 
contrato de 1921, existiam 156 europeus e 11 272 africanos (incluindo trabalhadores contratados, voluntários adultos e crianças).
Ainda na década de 30 tiveram início os trabalhos para a fundação do Museu do Dundo, que, nos anos 40, se instalou num edifício construído exclusivamente para albergar as colecções. Foi ali recriada uma Aldeia Nativa; nos anos 50, aberto um Laboratório de Investigações Biológicas; e na década seguinte, uma secção de Arqueologia e Pré-História. Gilberto Freyre visitou este Museu.
Entre os trabalhadores africanos, as doenças mais comuns, pelo menos até finais dos anos 50, eram a malária, as infecções respiratórias, a gripe, as doenças digestivas, a astenia, a varíola, as doenças venéreas e problemas de pele. E os brancos sofriam sobretudo de problemas intestinais e doenças venéreas.
Desde os primeiros anos da 
Diamang que aconteciam roubos de diamantes. Por vezes, também de vestuário e alimentos. E a empresa nunca conseguiu estancar os roubos, sobretudo de diamantes. A acção era bastante arriscada, uma vez que os castigos previam a prisão, o exílio e, em alguns casos apontados por Cleveland, a pena de morte. Os africanos que conseguiam escapar ao apertado controlo da empresa, vendiam os diamantes a funcionários brancos, a alguns sobas ou aos “capitas” (os encarregados de obras de origem africana), que habitualmente tinham ligações com redes de contrabando. Sendo uma actividade clandestina, não é ainda hoje possível ter informações rigorosas sobre o roubo de diamantes. Mas Cleveland presume que, com o passar dos anos, o número de roubos não tenha aumentado, uma vez que, através de entrevistas a antigos trabalhadores angolanos e portugueses, concluiu que as medidas securitárias da empresa foram sendo gradualmente reduzidas. Uma dessas medidas pode ler-se num relatório elaborado pelos administradores do Estado na Diamang e enviado a Oliveira Salazar, em 1938. Às dezenas de operários indígenas que trabalhavam na central de triagem não era permitido sair; eram ali mantidos durante meses, vigiados por funcionários brancos.

PIDE quis infiltrar Flechas na Diamang.
Durante os anos da Guerra Colonial, 
a área de concessão da Diamang conservou-se incólume. Embora muitos trabalhadores africanos estivessem informados acerca da actuação dos movimentos de libertação, através do que ouviam nas emissoras que transmitiam clandestinamente, nunca se assistiu a qualquer rebelião na Companhia.
No entanto, a proximidade da fronteira com a República Democrática do Congo levou a PIDE a ponderar uma acção preventiva: criar grupos de Flechas na Lunda.

Depois da Independência
Em 1961, ano de eclosão da guerra 
em Angola, a produção diamantífera da Companhia bateu o recorde de 662 milhões de escudos (mais de 3 milhões de euros). Mas, nos anos seguintes, a Diamang recuou nos trabalhos de prospecção. O retorno dos colonos de Angola, após o 25 de Abril, atingiu a empresa, diminuindo os quadros de gestão e de engenharia (a Diamang nunca autorizou que os africanos ocupassem lugares naquelas áreas).
Fecharam-se minas; a mão-de-obra desceu a pique (de dezenas Diamantes de Angola) apenas em 1988, com o conflito ainda em curso. E durante os anos da guerra, segundo Cleveland, a Lunda transformou-se numa espécie de “Oeste selvagem”, local de combate entre o MPLA e a UNITA. Mas também lugar onde confluíam garimpeiros e contrabandistas oriundos de diversas regiões de África, em busca de diamantes. Foi nessa altura que o Museu do Dundo foi pilhado.
Os militares portugueses mantinham-se em Angola e na Lunda permanecia a força de segurança privada da Diamang. Somente a 10 de Novembro de 1975, na véspera da proclamação da independência de Angola, a incerteza dissipou-se, quando os últimos dirigentes portugueses da Companhia arriaram pela última vez, no Dundo, a bandeira portuguesa.
Apesar das carências de pessoal 
técnico e do fecho de muitas minas, a Diamang sobreviveu como entidade corporativa até Agosto de 1977, quando o Estado angolano iniciou o processo de nacionalização. “Ao longo dos seus 56 anos de existência, a Diamang, mantendo o controlo sobre a produção e a comercialização de uma das principais riquezas do povo – os diamantes –, nunca deu ao Povo Angolano a oportunidade para participar na gestão desta riqueza e para recolher os seus lucros”, afirmou Agostinho Neto, primeiro Presidente do país.
A guerra civil que teve início logo em 1975 atrasou o processo. Os activos da Companhia foram transferidos para a Endiama ( Empresa Nacional dos Diamantes de Angola) apenas em 1988, com o conflito ainda em curso.
O fim da guerra, em 2002, não atenuou a turbulência na Lunda. Cleveland escreve que o Governo angolano prossegue na tentativa de travar, através de expulsões violentas, vagas de imigrantes mineiros. E as populações locais continuam a testemunhar “uma vez mais, o êxodo das riquezas da sua terra natal”.
No documentário “Dundo, memória colonial” (2009), a jornalista Diana Andringa, nascida no Dundo em 1947, filha de um funcionário da empresa, corroborou o que Freyre viu: os nativos eram “objecto de estudo museológico: a Companhia gravava-lhes os sons, guardava-lhes as estátuas e objectos de arte, estudava-lhes os desenhos de areia”.
Vizinha de José Redinha, mentor e conservador do Museu, Andringa “via os negros trazerem-lhes as estatuetas, os bancos, os instrumentos musicais (…)”.
O Dundo não era uma “simples vila ou lugar habitado de Angola”, mas antes “o centro de uma grande empresa industrial”, que actuava num espaço de 30 mil quilómetros quadrados.
Na cidade trabalhavam 332 europeus (“acompanhados por 417 mulheres 
e crianças”) e 17 mil indígenas, “reunidos e organizados com vista a um objectivo bem determinado, que é o de extrair diamantes, em condições de boa administração e de economia”. E continuava: a Companhia ocupava uma área que correspondia a “quase um terço de Portugal Continental” e tinha uma população de 80 mil pessoas. A Diamang tinha um “objectivo bem determinado” e esse “objectivo”, concluía, consistia em criar “o bem comum”.

Nota: Recolha de apontamentos diversos extraídos dum texto escrito por Maria José Oliveira. Resumi e acrescentei com imagens.

Vítor Oliveira

1 comentário:

  1. Fui ao Dundo em fins de Dezembro de 1962 ajudar a instalação de parte do Pel AA 56 que tinha sido fraccionado por forma a permitir que o
    Comandante Alferes Miliciano de Artilharia Antiaérea com especiidade de Radar, António Manuel Metzner Serra Alegra seguisse para Ambrizete porque tinham sido detectados "barcos de pesca" Soviéticos nas imediações que descarregavam material de guerra para abastecer-se os rebeldes do MPLA.
    As secções de Artilharia com metralhadoras quádrupla de 20 mm e Peças de Artilharia de 40 mm seguiram integradas na OPERAÇÃO MONTES CLAROS para fazerem a protecção da Central Eléctrica do DUNDO.
    Minha Filha nasceu em 5 AGO 1963 na Maternidade do DUNDO com capacidade para 400 parturientes!
    A circulação no território da Diamang a partir do CHICAPA só era permitida a Colunas Militares.
    Mário Arteiro

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