A aldeia de Aivados, com 150 habitantes, situada a 13
quilómetros da sede do concelho, Castro Verde, é única no Baixo Alentejo: é uma
aldeia comunitária, desde o século XVI, possuindo, além de um
"governo", com o seu próprio regulamento interno, 400 hectares, um
rebanho comunitário, vários prédios urbanos e alfaias agrícolas.
Quem é natural ou reside há mais de um ano na pequena
comunidade dos Aivados não precisa de se preocupar em arranjar dinheiro para
comprar um terreno para construir casa própria: por "lei", em
efectividade desde, pelo menos 1562, tem direito a esse terreno gratuitamente,
só o pagando à comunidade se, entretanto, decidir vender a casa. Mais: como
cidadão de pleno direito da comunidade, tem também direito a uma parcela de
terreno nos "ferrageais" junto à aldeia, onde poderá fazer uma horta,
criar galinhas ou outros animais, desde que não criem problemas ambientais aos
restantes habitantes. Mais ainda: na véspera de Natal, para reforçar a ceia e
poder comprar mais uma ou outra peça de roupa para suportar o Inverno, receberá
uma verba em dinheiro, uma percentagem dos lucros obtidos pela comunidade na
exploração dos terrenos mais desviados da aldeia, a que chamam as
"folhas".
Diz a tradição oral que os Aivados sempre foram
"governados" por uma comissão, eleita por todo o povo, composta por
vários cidadãos. É de 31 de Janeiro de 1934 a acta escrita mais antiga que fala
no assunto, referindo que essa comissão era constituída por um presidente, um
secretário, um tesoureiro e três vogais. Essa comissão - que, refira-se,
sempre funcionou, mesmo no tempo do fascismo - tinha plenos poderes para
resolver todos os problemas da comunidade. Sem capacidade jurídica que
transcendesse as "fronteiras" do território, a comissão foi, em
termos práticos, o executivo que levava à prática as deliberações tomadas em
assembleia geral pelo povo da aldeia. Entre essas deliberações contaram-se, por
exemplo, a dado momento da história, "atribuir ao forasteiro o estatuto de
cidadão, ao serem-lhe concedidos todos os direitos e deveres que usufruíam os
naturais".
Por motivos legais, em 1989, foi necessário criar uma
entidade com "corpo jurídico" que acabaria por substituir a
"comissão". Essa entidade, a Associação do Povo de Aivados, que em
termos práticos substituiu a "comissão", possui uma direcção, um
conselho fiscal e uma assembleia geral.
O presidente da direcção, António Ventura, explica-nos que,
"embora a Associação possua estatutos, para nós, o que tem mais
importância é o nosso regulamento interno, que dantes era apenas oral e que
agora, aos poucos, começa a ser redigido". No entanto, por força da
tradição, os moradores continuam a tratar os responsáveis da associação por
"comissão".
E é esta "associação/comissão" que continua a
governar, a gerir os interesses da comunidade, sendo periodicamente todos os
assuntos discutidos em assembleia geral de moradores. Hoje, por motivos legais
e burocráticos, colocam-se novas tarefas aos responsáveis da aldeia, tanto mais
que, nos últimos anos, graças a uma boa gestão, o património da comunidade tem
crescido, existem constantes entradas e saídas de dinheiro, há contas
bancárias, enfim, é preciso uma contabilidade organizada, muito diferente daquela
que existia há algumas décadas. Por exemplo, presentemente, os terrenos
conhecidos como "folhas", que até há poucos anos eram explorados
individualmente pelos moradores interessados, passaram a ser explorados
directamente pela Associação do Povo de Aivados, que possui vários tractores e
alfaias agrícolas. Os pastos desses terrenos já não são vendidos a terceiros
(agricultores vizinhos) mas sim aproveitados para o rebanho colectivo, que
possui mais de 500 cabeças de ovinos. Ou seja, a Associação, como pessoa
colectiva, passou a funcionar como uma empresa agrícola. E não só porque, além
das vertentes agrícola e pecuária, a Associação tem a seu cargo outras tarefas,
tais como, por exemplo, renovar um contrato de arrendamento com uma empresa que
explora uma pedreira dentro dos terrenos comunitários.
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