terça-feira, 25 de agosto de 2020

ESTÓRIA DO JACARÉ BANGÃO



Esta história aconteceu no tempo em que as autoridades coloniais portuguesas obrigavam com formas de extrema coacção o pagamento do Imposto Geral Mínimo a cada cidadão angolano. Quem resistisse ou tivesse o atrevimento de não pagar era exemplarmente punido.
O Imposto era profundamente odiado, por vários motivos, um deles pela forma injusta como era cobrado e por ser mais um modo de opressão por parte de um governo imposto pela força e que praticava formas modernas de escravatura como o famigerado trabalho contratado, usualmente referenciado como “contrato”.
Consta que um determinado chefe de posto do Caxito era implacável, feroz e desumano no modo como arrecadava o dito imposto. Ninguém escapava à sua fúria.
Aconteceu que, vivia junto às margens do rio Dande, que serpenteia pela bela e orgulhosa cidade do Caxito, um ilustre jacaré que dava pelo nome de Sr. Ngandu. Ele era um jacaré enorme, brigão, com fama de muito mau humorado e sempre zangado, mesmo com a própria sombra.
O Sr. Ngandu tinha tido em tempos uns desaguisados com as autoridades coloniais, queriam tirar a sua pele para mandar no Putu para fazer carteiras... E como chegou aos seus ouvidos a fama do dito Chefe de Posto o nosso jacaré resolveu fazer-lhe uma partida e aproveitar para se vingar daquela ignóbil humilhação quando lhe quiseram caçar para lhe roubar a pele e logo a ele, sim a ele, um crocodilo da mais alta linhagem das margens do Dande.
Uma certa manhã, ainda os galos não tinham acordado bem o dia, Sr. Ngandu pôs a sua cara mais feroz e mostrando seus dentes cortantes e pontiagudos saiu do Dande e com um saco de dinheiro na boca, pois jacaré não tem mãos, dirigiu-se ao Posto Administrativo com quanta pressa tinha mas no desengonço próprio de qualquer jacaré quando anda em terra-firme.
Chegou no posto ameaçador e zangado para pagar seu devido imposto ao implacável chefe do Mwana Putu. De dentes arreganhados, entrou pelo Posto dentro e logo veio o Sipaio a mando do patrão já medroso, que impedisse célere a presença naquela repartição pública de tão nefando animal.
_ Xé bicho, m’bora, xó, xó, fora... Sr. Chefe num quer tu aqui, bicho. Tunda, tunda...
Mas Sr. Ngandu não era homem... Perdoem-me, não era jacaré para se intimidar com tal palavreado. Deu uma dentada na bunda seca do Sipaio que se pôs a correr em alvoroço pela rua fora.
E então, com todo seu jeito e lágrimas de crocodilo, Sr. Ngandu falou assim no chefe do posto:
_ Ó homem, venha cá e tome lá o seu rico imposto eu sou Ngandu, um velho jacaré do Dande, venho aqui pagar meu devido imposto. Venha, meu querido amigo, pegar seu dinheirinho preso em meus dentinhos afiados.
E dizendo isto o Sr. Ngandu deu uma risadinha muito própria de jacaré, bateu castanholas com seus dentinhos afiados de riso pontiagudo, olhando desafiador no chefe do posto.
O chefe, metido em sua farda colonial cor caqui de reluzentes botões não botou voz no discurso. Amarelo de cagaço e verde de medroso lá conseguiu arranjar força nas pernas trementes e saindo a correr porta fora, cagado e borrado no fundilho dos calções, gritava: - Acudam, acudam um enorme jacaré quer-me comer... abandonando o posto à sua sorte.
Os populares do Caxito, alertados pela fuga do Sipaio, haviam-se juntado à porta da Administração e a tudo isto assistiram. Entretanto, enquanto o Sr. Ngandu regressava pachorrento, ameaçador e desengonçado ao seu lar, nas margens do Dande, o povo começou dançar e batendo palmas cantava mesmo assim:

Viva Jacaré, Jacaré Bangão
sacola na boca, jacaré não tem mão,
saiu do Dande pagar o imposto
mordeu no sipaio assustado
e ao valentão Chefe do Posto
lhe meteu a correr cagado
borrado nos fundilhos do calção.
Viva Jacaré, Jacaré Bangão.

Por isto tudo que aconteceu, na então Vila de Caxito, Jacaré Bangão, ainda é hoje um herói admirado nestas terras onde o Dande continua serpenteando sem depressas nas margens do Caxito. E dizem os mais-velhos que Jacaré Bangão ainda hoje vive por ali, nas margens da cidade do Caxito.

2 comentários:

  1. Caro amigo, penso que não deixo escapar nada do que escreve.
    Continue,
    Abraço.
    Floriano.

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  2. Caro amigo, penso que não deixo escapar nada do que escreve.
    Continue,
    Abraço.
    Floriano.

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