terça-feira, 14 de julho de 2020

A ALDEIA PORTUGUESA ONDE APENAS VIVE UMA PESSOA


No extremo norte do país, por entre montanhas e vales, há uma aldeia onde apenas vive um resistente. Descubra Val de Poldros, a aldeia de um homem só.
Percorrem-se uns largos quilómetros de estrada sem avistar qualquer povoação até se chegar a Val de Poldros, a 1200 metros de altitude, com uma vista imponente da serra da Peneda.
Como anfitrião, temos Fernando Gonçalves, 48 anos, o único habitante da aldeia, que regressou à terra natal em 2004, depois de ter estado como emigrante em Andorra. “Era tanto o silêncio que parecia que fazia mal”, recorda. 
Ultrapassou o isolamento com a abertura de um restaurante que, actualmente, recebe clientes fiéis de paragens mais ou menos distantes, muitos deles de Espanha. “Fui aprendendo com eles o que deveria pôr na mesa”, conta. “Depende da época do ano e do que tenho à mão.”
Vale (ou Val) de Poldros — assim denominada porque na época de D. Dinis aqui se criavam os poldros [regionalismo para o mais comum: potros] para a guerra – é uma das “cerca de dez brandas existentes na região do Alto Minho e aquela que concentra o maior número de cardenhas em melhor estado de preservação.
As brandas são aldeias de montanha, localizadas acima dos 900 metros de altitude, para onde se mudavam as populações no Verão (de Março a Outubro), saindo das inverneiras (aldeias “gémeas” localizadas nos vales, onde viviam resguardadas no Inverno) com o gado, alfaias agrícolas e, por vezes, até “toda a mobília”, numa deslocação migratória sazonal conhecida por transumância humana que hoje poucos praticam.
Como abrigo para o frio cortante de Val de Poldros, os pastores utilizavam as cardenhas, construções rudimentares de granito, com tecto baixo para preservar o calor, de que ainda ali existe um conjunto muito significativo e possível de preservar.
Ainda há quem faça este movimento, aproveitando as inúmeras nascentes que correm pelos vales até Maio, utilizadas nos “regueiros de milho” e para a plantação de centeio nos lameiros (socalcos), que vemos agora ainda postos de verde relvado delimitado por muros de pedra. 
A Branda de Santo António de Vale de Poldros é, pois, um conjunto arquitectónico de inestimável valor patrimonial, constituindo um óptimo exemplo de povoamento de transumância: povoados de montanha para onde os vigias (brandeiros) levavam o gado durante os meses de verão, descendo novamente às suas povoações de origem, as inverneiras, a partir de Setembro.
Recentemente, as actividades agrícolas e pastoris foram perdendo importância e, com as novas gerações, praticamente abandonadas. Em paralelo, as construções em Santo António de Vale de Poldros foram sendo transformadas em segundas habitações, de lazer e de férias, muitas vezes deturpando a sua arquitectura original.
Apesar disso, o grande valor patrimonial deste núcleo de povoamento e de muitas das suas construções ainda permanece, justificando-se um esforço para a sua salvaguarda e valorização. Até porque, sob o ponto de vista cultural e social, estas zonas podem desempenhar um papel importante como motor de desenvolvimento económico e turístico.
A fundação das cardenhas terá ocorrido no século IX, embora não haja certezas quanto à época em que começaram a surgir no alto das serras estes pequenos e toscos abrigos de pastores — com um primeiro andar para habitação e o rés-do-chão para albergar os animais — e onde só falta a porta redonda de madeira para imaginarmos de lá sair Frodo ou o tio Bilbo Baggins e o seu poderoso anel.
Também existem cardenhas noutras brandas, mas a maioria foi destruída pelos proprietários, que utilizaram as pedras para construir casas melhores. O abandono de Vale de Poldros pelos seus habitantes terá sido a principal causa de preservação das cardenhas nesta aldeia.
Estes abrigos apresentam nomes e formas diferentes de terra para terra, na serra do Gerês e Amarela são intitulados de fornos, no Soajo e Peneda de cardenhas ou cortelhos e as pastagens nas quais se inserem podem ser chamadas de currais. Por vezes, estes são cercados por um muro baixo que se prolonga por vários quilómetros ao longo da serra, tendo como finalidade delimitar a área de pasto ou impedir que o gado entrasse em zonas florestais. 
Esta actividade é desenvolvida, segundo regras estritas e obrigatórias, consignadas no livro Rol da Vezeira, que determinava as datas, compromissos e obrigações de cada população ou indivíduo para a elaboração e funcionamento do processo de transumância anual.
Neste documento era notório o aspecto comunitário das aldeias, pois cada casa teria de mandar uma pessoa, por altura do Carnaval, para compor os caminhos entre os lugares, enquanto outros enxertavam algumas árvores de fruto para que os pastores pudessem encontrar fruta durante a sua estadia no cimo da serra. No final de Abril escolhiam dois homens para ver o estado dos caminhos e abrigos na serra e a três de Maio, juntavam-se os lavradores, para combinar as reparações que deviam ser feitas.
Na actualidade e à semelhança de muitas outras brandas, Vale de Poldros perdeu toda a economia que fazia dela um local indispensável à sobrevivência da população. As suas construções continuam a resistir aos tempos mas o seu passado perde-se entre a vegetação que cobre os seus edifícios. As alterações neste território começaram a surgir em meados do século XX devido a factores demográficos, culturais, económicos e políticos. 
A grande mudança resulta da intervenção estatal nos baldios, à qual se seguiu um grande fluxo migratório das populações locais, o êxodo rural que levou ao abandono do território e à desertificação, situação que ao longo dos anos se agrava cada vez mais. A sociedade portuguesa, em geral, abandonou a prática da agricultura e estas alterações culturais interferiram no povoamento de montanha.
Foram criadas novas vias e meios de comunicação alterando as relações de distância entre lugares e levando ao abandono de antigas vias, substituídas por novos caminhos que rasgam a serra e alteram o modo de interacção com a paisagem. Todos estes factores levaram ao esquecimento destes aglomerados que, de certa forma, começam aos poucos a ganhar uma nova vida, com a introdução do Turismo Rural neste território repleto de potencial natural e patrimonial. 

Nota: Recolha e arranjo feito por V. Oliveira


  




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