Chilombo, Quimbo e Quartel do destacamento nº.6 dos Fuzileiros |
Chilombo, Leste de Angola – 1974
Nhakatola Tchissengo |
Vinha em visita oficial, no âmbito da missão habitual de governo do seu povo.
Para organizar a visita ao Destacamento e acompanhar a Rainha, foi nomeado oficial do protocolo o STEN FZE Paiva e Pona.
Era a meio da manhã, quando o calor já começava a apertar. Educada e simpaticamente terá oferecido à Rainha um chá e uns scones. Mas ela, pequenina e viva, sorrindo com um olhinho maroto, pediu: “Ténénté não pode ser antes uma cérveja?” Claro que rapidamente apareceram cervejas para toda a comitiva. De notar que este bem precioso àquela hora de sol e calor era ainda mais valioso, no nosso caso, porque dispúnhamos de geladeira.
O certo é que as relações diplomáticas entre o povo Português (aqui representado modestamente pelos fuzileiros do Chilombo) e o povo dos Luenas, na pessoa da sua Rainha, se estreitaram naquela manhã de calor africano e se fortaleceram à custa de uma boa quantidade de cervejas que, só à sua conta, a senhora bebeu.
Descendia de uma velha linhagem de matriarcas – em África, o poder tribal assente numa liderança feminina e transmitido pela mesma via, por direito próprio e não por contingência sucessória, foi relativamente frequente e, por isso mesmo, diverso da norma vigente das sociedades ocidentais.
Nhakatola Kutemba |
Tumulo da rainha Nhacatolo Kutemba, no Cavungo |
A linhagem de rainhas Nhakatolo tinha por tradição prosseguir uma política de diplomacia inteligente, num equilíbrio que era um misto de aceitação interessada das autoridades dominantes e de defesa dos interesses próprios e dos valores fundamentais das suas gentes. A ligação à terra, o lugar fundamental da mulher que é quem dá de comer aos filhos, a preservação da paz e das boas relações com os poderes dominantes como elemento de protecção filial e de garantia de continuidade, tornaram esta cultura tribal diferente do que seria uma liderança masculina mais beligerante.
Cavungo, 2014-Palácio da Raínha Nhakatolo foto de Odesio Magno da Silva |
Eduardo Ricou dando consulta aos leprosos
na presença da rainha Nhakatolo, em 1956
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Foi esta a “minha” rainha Nhakatolo, a que conheci em 1974, quando veio de visita a uma parte do seu povo, aquele que habitava a zona leste de Angola e que, por via disso, contactou as autoridades militares aí instaladas. Consta que tinha visitado Portugal, durante a presidência de Craveiro Lopes, numa acção de sensibilização organizada pelo regime, com quem, interesseiramente ou não, pretendia mostrar boas relações.
Naquela época residia para lá da fronteira de Angola, território da Rodésia (actual Zâmbia) e deslocava-se entre as aldeias onde os Luenas se encontravam.
Tinha autorização especial para visitar os seus súbditos em território angolano ao abrigo de um tratado de protectorado celebrado com a Coroa Portuguesa em finais do séc. XIX e que sempre foi respeitado.
Raínha Nhakatolo Tchissengo e príncipe Alberto Candembe na sua casa no Cavungo, em 1970 - foto de Álvaro Pelicano |
Foi uma das rainhas Nhakatolo que mais marcas deixou, talvez por ter tido uma vida longa e por ter passado por períodos conturbados da história de Angola.
Chefiou tribos e acompanhou várias aldeias luenas durante toda a sua juventude, exercendo uma aristocracia natural enquanto a mãe reinava – foi nomeada para assumir o sobado de duas localidades autónomas: Lupache e Luvua antes da morte da sua mãe, em 1956. Sucedeu-lhe formalmente, atravessou duas guerras – a guerra do ultramar e a guerra civil – e veio a falecer em Luanda em 22 de Junho de 1992, estando sepultada em Cazombo, na província do Moxico. Em sua homenagem foi inaugurado, em 2012, um lar para a terceira idade que recebeu o nome “Rainha Nhakatolo Tchissengo”.
Raínha Nhakatolo Tchissengo e príncipe Alberto Candembe com Álvaro Pelicano, no Cavungo em 1970 |
O território civil do quadrado do Leste de Angola, desenhado a régua e esquadro, não era a pátria dos Luenas, mas apenas um local onde uma parte deles se instalara, em resultado de um processo migratório de tribos de várias etnias, de acordos e protectorados estabelecidos ao longo de séculos com os países colonizadores e com outras tribos e etnias autóctones.
A visita à povoação e a recepção à Rainha foi uma festa especial a que o nosso Comandante, 1TEN EMQ (FZE) Correia Graça e restantes oficiais assistiram, mais uma vez, num concílio que debaixo de uma grande árvore reuniu os mais velhos, os mais importantes representantes dos luenas e as autoridades existentes na zona.
De pé, frente à assistência, a rainha discursou em português para o seu povo, dando bons conselhos, talvez cautelas para com o colonizador… mas acreditamos que fossem no espírito de manter o bom relacionamento, usufruindo dos bens possíveis (saúde e educação que, sendo escassas, sempre havia). Desse discurso retivemos três notas: “Os caçadores, quando encontrarem pessoas estranhas, nas suas caçadas, devem informar os fuzileiros. Os pescadores, quando também avistarem pessoas estranhas à povoação, devem informar os fuzileiros. E vós p... lembrem-se que os fuzileiros não têm aqui mãe, nem mulher, nem namorada e, por isso, devem tratá-los bem...”. Depois, houve batuque pela noite fora…
De pé, frente à assistência, a rainha discursou em português para o seu povo, dando bons conselhos, talvez cautelas para com o colonizador… mas acreditamos que fossem no espírito de manter o bom relacionamento, usufruindo dos bens possíveis (saúde e educação que, sendo escassas, sempre havia). Desse discurso retivemos três notas: “Os caçadores, quando encontrarem pessoas estranhas, nas suas caçadas, devem informar os fuzileiros. Os pescadores, quando também avistarem pessoas estranhas à povoação, devem informar os fuzileiros. E vós p... lembrem-se que os fuzileiros não têm aqui mãe, nem mulher, nem namorada e, por isso, devem tratá-los bem...”. Depois, houve batuque pela noite fora…
Este ritual tradicional, festa que une os Luvale (Luenas) e é um marco da preservação da sua cultura, realiza-se actualmente no dia do falecimento da rainha Chissengo. Na era colonial, realizava-se em Chilombo ou em Lumbala, no período da guerra civil passou para a Zâmbia devido às disputas entre o MPLA e a UNITA e, actualmente, regressou ao leste de Angola, saliente do Cazombo, capital Luena.
José António Ruivo, in O Desembarque
A Rainha Nhacatolo,em 1973/75,morava no Cavungo.Ela mesma chegou a vir a Portugal aquando da inauguração ,da então,Ponte Salazar,sendo-lhe oferecida uma salva em prata comemorativa do evento.Pessoa humilde mas de fino trato.A viatura que lhe foi oferecida era um Land Rover Longo,azul.Cada vez que ia visitar o seu povo que estava na Zâmbia,ia abastecer ao nosso quartel para encetar viagem no dia seguinte.Claro que aproveitavamos logo para fazer um MVL ao Jimbe pois era certo e sabido que não haveria minas naquele dia.Convidava-mo-la a ir a frente por causa do pó o que em parte até era verdade:""eles"" não iam arriscar a pôr uma mina na picada sujeitos a ficar sem rainha.Convivi muito com a raínha Nhacatolo pois como vivia perto do quartel e gostava muito de ir ao café do Dias estavamos,nós-tropa e ela sempre a encontrar-nos.Gostei deste relato.Conheci o Comandante dos Fuzileiros,Sr. Paiva e Pona que casou com a filha do almirante Rosa Coutinho.Estive duas vezes no Chilombo,uma com o meu capitão e depois noutra ocasião já os Fuzileiros tinham vindo embora.Foi para lá uma Compª que estava na lumbala.
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